terça-feira, 11 de novembro de 2014

Da maternidade e seus acessórios - Por Blog Uma Vez Mamífera


acessorios

Entrei hoje em uma loja de brinquedos. Logo na entrada, toda uma seção dedicada exclusivamente aos bebês – não apenas brinquedos para o primeiro ano de vida, mas uma porção de acessórios para conquistar mães e pais: todo tipo de quinquilharia dedicada, teoricamente, a tornar a sua vida com seu bebê mais confortável, segura e feliz.

Não que seja novidade para mim, mas eu realmente me surpreendi com a quantidade de acessórios disponíveis. Desde espelhinhos para vigiar o bebê do banco do motorista no carro, protetores de canto e travas de todo tipo para adaptar a casa aos pequeninos, até uma gama inacreditável de ‘facilitadores para a amamentação’ e carrinhos que mais pareciam ter saído do desenho animado dos Jetsons diretamente para as prateleiras da loja.

Que a maternidade virou um grande negócio (imagino que um dos melhores e mais rentáveis que há),  não é segredo pra ninguém. Para pais e mães deslumbrados diante da experiência nova – e da possibilidade de mostrar-se ao outro e adquirir status através dela – é possível vender desde pequenas uti-futilidades bobinhas e graciosas até utensílios caríssimos, dos quais os bebês, ao crescer, não terão nem ao menos boas lembranças para chamar de suas.

‘Cada um com o seu cada um’, dirão vocês, e eu concordo. Bem, ao menos em parte: não estou aqui para controlar o carrinho de compras de ninguém, e cada mãe e/ou pai sabe – ou deveria saber – onde lhe apertam os calos, e até onde chegam seus limites do cheque especial. Eu mesma, embora nunca tenha tido grandes arroubos consumistas, quando grávida das filhas mais velhas mandei fazer um border personalizado para a parede do quarto, um mimo (caro, dividido em uma infinidade de parcelas) totalmente desnecessário, que enfeitou lindamente a parede de um quarto que elas nunca  usaram. Isso, entre outras pequenas coisinhas que comprei desnecessariamente – embora na época, eu achasse que sim, seriam muito úteis e necessárias. Gata escaldada, com a terceira filha tirei tudo de letra, comprei muito pouco (para dizer a verdade, quase nada) e passei longe das seções de inúteis das lojas infantis. Das coisas que às vezes, a gente aprende a fazer diferente.

Mas para além da questão do consumismo e do apetitoso filão comercial em que se transformou a chegada de uma criança ao mundo e seu desenvolvimento, especialmente ao longo do primeiro ano de vida, penso no que se revela nas entrelinhas. Com tantos acessórios, em que vem se transformando a relação entre mães (e pais) e filhos? Com tantos intermediários cuja suposta função é a de nos ajudar a cuidar de nossos próprios filhos, onde sobra espaço para o contato direto, sensível e atento, para o instinto e a intuição? Onde fica o toque, o olho no olho, a troca? Estaríamos perdendo nossa capacidade primária e instintiva de, sem lançar mão de instrumentos facilitadores, garantir o bem estar de nossas crianças?

Das prateleiras abarrotadas de artefatos mais ou menos complexos cuja (supostamente) inocente intenção é a de ajudar mães e pais a fazer aquilo que poderiam fazer por si mesmos, cada produto nos sussurra uma mensagem , persistente e venenosa: não, não somos capazes; não podemos fazer sozinhos.

Ao longo da minha experiência com minhas filhas mais velhas, uma das lições mais definitivas que aprendi foi que, para ser mãe, é preciso pouco (embora seja muito) : um par de seios, um colo aconchegante, tempo disponível, disposição para encarar os desafios e muito, muito amor no coração. Todo o resto é dispensável – alguns poucos artefatos, é bem verdade, colaboram muito (eu colocaria um sling no topo desta lista, por exemplo), mas caso faltem, mãe e bebê sobreviverão, e muito bem obrigada. Sim, eu sou capaz de fazer sozinha – como todas as mães também o serão, se quiserem.

Comprar ou não comprar, que fique claro, não é a questão – pernicioso não é o objeto em si, ou o ato de utilizá-lo pela razão que for, mas a rendição à crença na inevitabilidade do uso dos facilitadores, sejam eles quais forem. Alguns acessórios são úteis? Bem, são. Podem ser – mais para uns, menos para outros. Mas não são indispensáveis, nenhum deles é. Quando nascer, e por um bom tempo, tudo o que seu bebê precisará de fato você já tem, sem precisar pagar por isso. Querer este ou aquele ‘facilitador’ é uma coisa – acreditar que você não poderá cuidar adequadamente de seu bebê sem ele é outra, bem diferente, e bem prejudicial.

Mães e pais inseguros, convencidos de que precisam de um aplicativo que lhes indique quando a fralda do bebê está suja, ou de um carregador que mantém a temperatura do bebê ao redor de um padrão pré-determinado, são um material incrível para fazer girar a roda do capitalismo – mas péssimo para a vivência de uma maternidade e paternidade autônomas e conscientes, responsáveis, afetivas, instintivas.

Conheço mães que não saem  de casa sem o carrinho mega moderno a tiracolo, que não colocam o bebê no banho sem confirmar a temperatura exata no termômetro ultra preciso, que não dão a papinha sem o prato térmico de última geração cuja ventosa se agarra à bancada do cadeirão e cujo fundo muda de cor para avisar que a comida está na temperatura adequada e pode ser servida, que não saem para um passeio até a praça sem vestir o filhote com a camiseta com FPS e o sapatinho cuja sola é feita do mesmo material que compõe os uniformes dos astronautas da NASA. Meu conselho para elas (e aliás para mim mesma também, quase todos os dias, um conselho do qual eu mesma procuro não me esquecer e que já pensei em tatuar no corpo em algum lugar bem visível) é um só, curto e direto: ‘a vida é simples, caminhe mais leve’.

Não, não vou defender aqui que queimemos acessórios em praça pública, mas podemos fazê-lo simbolicamente: com seu bebê nos braços, levando seu filhote pela mão, procure servir-se de cada vez menos intermediários. Olhe, toque, sinta, e confie. Podemos usar os acessórios que quisermos, mas precisamos nomeá-los pelo que são: inúteis, dispensáveis, desnecessários. Utilizamo-nos deles se e quando desejarmos fazê-lo, mas não precisamos deles, muito menos dependemos deles para exercer um papel que nos é natural e instintivo quando há disposição, amor e entrega.

Coisas, é preciso lembrar, são apenas coisas. A relação entre uma mãe e um filho é feita de pele e sentimento. Isso é mais valioso do que todas as coisas do mundo.

Maternidade é essência; e a essência, a gente já sabe, supera todos os acessórios.


http://umavezmamifera.wordpress.com/2014/11/07/da-maternidade-e-seus-acessorios/

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