sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Por que razão não querem ficar sós - Por Carlos González

   O que aconteceria a uma criança pequena, sozinha e nua, na selva? Em apenas algumas horas, o bebê poderia queimar-se ao sol, enregelar à sombra ou ser devorado por hienas ou por simples ratos. As mães que deixavam os seus filhos sozinhos por mais do que alguns minutos ficavam rapidamente sem eles. Os seus genes eram eliminados por seleção natural. Pelo contrário, o gene que levava as mães a permanecer junto dos filhos transmitiu-se a numerosos descendentes. O leitor é um desses descendentes. As mulheres atuais possuem uma inclinação genética, espontânea, para permanecer junto dos filhos. Langis observou perfeitamente esse fato, ainda que,na sua ignorância, o considere entre as treze condições de escravidão dos pais da atualidade (como se antes da atualidade tivesse existido outro modo ou como se fazer aquilo que se deseja fosse urna forma de escravidão):
   Não nos decidimos a deixar a criança em mãos alheias...
   É claro que esse hábito pode ser facilmente contrariado por crenças, opiniões ou hábitos mais recentes, com origem na evolução cultural. As mães deixam os filhos para irem trabalhar, para irem às compras ou para se sentarem a ver televisão. Deixam-nos durante minutos ou durante horas. Deixam-nos com outros membros da família, com amas ou em jardins de infância... Mas o gene continua presente e a maioria das mães sente o seu efeito.
   A ansiedade que a mãe sofre ao separar-se do filho tem sido explorada até a saciedade nas comédias televisivas: a mãe que acorda durante a noite e entra no quarto do bebê para comprovar que este ainda respira; a mãe que vai sair com o marido, deixando uma longa lista de instruções e de números de telefone de urgências à ama, e que telefona inúmeras vezes do restaurante.
Vi há pouco tempo uma comédia norte-americana sobre uma mãe solteira, angustiada e tensa por causa do trabalho. A sua amiga e psiquiatra convence-a de que ela necessita de deixar o filho, que não aparenta ter sequer um ano, com a babá e ir passar um fim-de-semana de férias sozinha. Todos se riem da sua ansiedade, do seu medo de deixar a criança sozinha e do fato de regressar mais cedo porque o filho tem uma ligeira febre.
Ninguém no filme compreende que separar-se todos os dias do filho para ir trabalhar é precisamente um dos fatores que aumenta o seu nível de estresse; ninguém imagina sequer que uma mãe possa passar umas férias relaxantes com o filho. De forma insidiosa, mas implacável, vão-nos sendo oferecidos modelos culturais, vai-nos sendo explicado o que está bem e o que está mal. Na sociedade em que vivemos, umas férias sem os filhos são aceitáveis, enquanto umas férias sem o marido ou sem a mulher são quase impensáveis.
   Muitas mães sentem-se mal quando deixam o filho num jardim de infância e, nos primeiros tempos, poderá haver tanto choro dentro como fora do local onde fica a criança."Parte-se meu coração ao deixá-lo."
   Muitas mães sentem-se mal quando regressam ao trabalho. A nossa sociedade interpreta esse mal-estar como sentimento de culpa ; mas isso não está nos genes, é apenas uma interpretação cultural de um fenômeno subjacente. Para algumas pessoas, a culpa é conveniente. Uma mãe que interpretasse esse mal-estar não como culpa, mas como raiva ou indignação perante a falta de humanidade do nosso sistema laboral ou a insuficiência da duração da baixa de maternidade (as suecas têm mais de um ano de licença de maternidade; as bielorrussas têm três anos), tornar-se-ia demasiado subversiva.

Trecho do livro Besame Mucho

Nenhum comentário:

Postar um comentário